terça-feira, 30 de março de 2010

Da cartola ao porrete


Fonte: http://www.seocraudio.wordpress.com/

Futebol do domingo. Chapéu. O moleque, displicentemente, coloca o pé por baixo da bola, jogando-a para cima e fazendo com que ela passasse por cima do corpo de um homem mais velho. O moleque tem dezoito anos recém-completados. O homem, uma vida inteira de profissão, entre alegrias e tristezas. O lance não valia nada, mas, repentinamente, passou a valer tudo. Este gesto, que, aparentemente, para alguns resultaria em uma humilhação incontornável, em uma desvalorização da capacidade do ser humano sobre quem se realizou a passagem da bola, nada mais é do que isso, jogar a bola por cima de um corpo utilizando-se do pé.

O homem agarra o jovem pelo pescoço e o empurra. O moleque não cai, como mais tarde viria a cair um outro veterano dos campos na tentativa de ludibriar o juiz. O moleque não cai, como caem tantos outros por muito menos, na tentativa de forçar a expulsão do colega da brincadeira, do trabalho; cai por ter sido empurrado. O homem ameaça o rapaz. O rapaz responde, provocativo.

O jogo acaba, julgamentos são realizados e reina a austeridade. É o jovem quem está errado?, pergunta-se, ao que se ouve pronto sonoro "É!" de especialistas muito bem remunerados para falar bem de uns e mal de outros. Como não ganho nada de ninguém, vamos aos argumentos:

Ora, em momento algum, Neymar colocou a integridade física do zagueiro Chicão em risco - a não ser um eventual torcicolo, afinal, o jogador em questão já não é mais muito jovem e flexibilidade não é algo que se costuma esperar dele. Chicão, por outro lado, ameaçou Neymar, como tantos outros jogadores ameaçaram antes. Os zagueiros exigem respeito... e quando a mensagem não é captada, buscam impor este respeito com pernadas, braçadas, cabeçadas. Aos atacantes é proibida a exigência de respeito; cabe a eles pagar por habilidade e ousadia. Se não quiserem apanhar, que se jogue o futebol árido dos austeros: sem drible, sem fantasia, sem gracinhas.

A intimidação decorrente de ameaças de agressão, aparentemente, é um recurso válido no ambiente futebolísico, como também o seriam as provocações aos pés do ouvido, os empurrões na área, os rodízios de falta. Aparentemente, tudo isso faz parte da cultura futebolística de Chicão e de tantos outros zagueiros, como Domingos, para ficar em um exemplo claro, ou de outros defensores como Coelho, entre outros tantos que sofreram com os Dêneres, Robinhos, Denílsons, Diegos, Carlos Albertos, Dentinhos, Valdívias e Kérlons da vida a lhe atormentarem os sonhos.

Os zagueiros são seres humanos. Messi, bem como os outros dribladores citados, é um ser humano - excepcional em sua habilidade, mas apenas humano. Neymar provoca, como Dentinho provocou tanto quanto pôde os zagueiros do Santos há um ano atrás. E Domingos esteve errado em reclamar. A provocação faz parte do futebol de qualquer esquina, de qualquer videogame, de qualquer mesa de botão, como faz a zombaria e o deboche... será que, em qualquer situação, alguém que agarra o provocador, colega de jogo e de espécie, pela garganta e lhe ameaça quebrar uma parte de seu corpo, será que este alguém poderia dar alguma explicação que justificasse o seu ato? Será que deveríamos achar que isso é parte do jogo?

O agressor recebe a mesma punição de alguém que lhe 'provocou', em um lance que nada valia, em uma brincadeira - pode ser que seja por demais sem-graça, mas foi uma brincadeira - e as pessoas ainda reclamam, achando que o Neymar, pelo chapéu, deveria ter sido expulso? Será que essa gente, se estivesse andando na rua e um moleque abusado passasse por elas com uma bola velha e um belo chapéu, à moda da casa, ver-se-ia no direito de dar uns tabefes na criança, no adolescente ou em qualquer pessoa sobre a qual pudesse se valer da força física para intimidá-la? Um cartão amarelo, uma adversão, está bem justificada, mas uma expulsão?

O ambiente do futebol, com seu código ético cheio de proteções à uma suposta virilidade sócio-desportiva, acabou equivalendo uma brincadeira abusada a uma agressão moral e física... A habilidade do outro e seu controle sobre a bola acaba sendo tão temível que, em busca de auto-afirmação, os adversários atacam em um plano onde a habilidade não tem predomínio, mas sim os seus músculos. Há algo de muito errado em um jogo, em uma sociedade, em um ambiente, quando um jornalista - concordando com alguns outros jogadores e técnicos de futebol - em seu blog publica que atacaria fisicamente o rapaz caso isso acontecesse com ele e quando outros tantos jornalistas acabam defendendo o agressor, e não o agredido. Afinal, ele teria feito "por onde".

Por conta daquele jogo, creio que Ganso - pelo que fez em Ronaldo -, Dentinho e Chicão deveriam todos ter cumprido suspensão por agressão. O mais triste nisso é que Ganso e Dentinho são ambos rapazes habilidosos e usam e abusam desta sua habilidade... Mas ambos também se sentem no direito e no dever de se 'machificar', de demonstrar virilidade. As pessoas têm mais é que saber respeitar - e isso inclui respeitar a habilidade dos outros e as suas próprias limitações - do que querer exigir ou, como se costuma dizer, "impor" respeito. O Ganso não precisava ter feito aquilo. Washington e Dentinho não deveriam só ter sido expulsos, mas também julgados por agressão - ora, Wesley fez muito menos e foi ao tribunal!

Neymar, quando entrou em Pierre, no jogo contra o Palmeiras, não fez menos ou mais do que vinha fazendo o marcador palmeirense durante toda a partida. Que Neymar devesse ter sido expulso tendo em vista a falta que cometeu, não coloco em questão, mas me pergunto sobre o critério do árbitro, que inverteu a falta do Diego Souza no Pará (cobrança da qual resultou um gol), que permitiu que Léo desse uma entrada muitas vezes mais violenta em André ainda no início do jogo e que sequer advertiu Pierre por conta da joelhada em Neymar ou do carrinho no tornozelo de Ganso, quando este já estava sem a bola, no lance do terceiro gol santista.

Futebol é uma síntese da evolução humana em relação aos animais, como qualquer bom jogo, e demonstra que seres humanos são capazes de combinar e seguir regras explícitas em busca de um objetivo comum, restringindo as suas formas de atuação de acordo com regras combinadas com o intúito de realizar uma ação social e sociável. É uma pena que tantos se desumanizem por conta de algo tão belo, de alguns dribles a mais, e que permitam ou concordem com a covardia de uma cotovelada, de um pontapé, de um carrinho desleal. "O macho mais forte tem o direito de fazer valer sua lei perante o minúsculo macho que lhe desafia em seu território", parecem dizer os neandertais de óculos (ou lentes de contato). Será que essa é a mesma gente que falaria: "Ela mereceu, afinal, se estava com uma saia minúscula, então é porque estava querendo..."?

sexta-feira, 26 de março de 2010

Promessas e dívidas

Fonte: www.fabiotv.zip.net

O mundo é um celeiro de craques. Todos os anos em todos os cantos surgem jogadores mágicos, miraculosos, capazes de mudar o mundo da bola e que não vão a lugar algum. Quer dizer, vão, mas não para os campos, não para os Reais, Atléticos ou Sport Clubs dos dólares múltiplos e das primeiras páginas. Inúmeros tentam e falham, enquanto outros tantos, inumeráveis, são podados ainda antes e nem mesmo têm chance de tentar. Alguns quebram a perna, rompem ligamentos, fraturam a sua fábula, enquanto outros se apequenam, se encolhem, se desiludem.

O sucesso de poucos é forjado pelas falhas de muitos e pelo número restrito de oportunidades. Alguns superam os obstáculos, enquanto que alguns possíveis gênios vão parar em cadeias, em posições servis, em botequins e se tornam mestres melancólicos da arte que jamais puderam envergar diante das multidões, sob o incentivo dos milhões, sob o apoio de uma equipe. O futebol profissional é um espetáculo do qual participam torcedores, jornalistas, empresários, cartolas, jogadores, técnicos, árbitros, etc. É um espetáculo que conta com a suspensão de crença de seus participantes, que exige um salto de fé, um acreditar sem alternativas: é preciso para o esporte que se acredite que aquilo tudo é necessário, essencial, fundamental.

Ao colocar em questão a necessidade da existência da estrutura que cerca este esporte, ao questionar o papel que o futebol espetacular cumpre nas sociedades do mundo, o que ele move, o que leva, o que traz, a quem serve, a quem explora, quanto se perde, quanto se ganha, o questionador ousa observar a coxia, as marcações de cena, as cortinas, o palco. Procura os zíperes das roupas, a falha das maquiagens, as inconsistências do roteiro. O questionador desmistifica o futebol e ao fazê-lo, é impossível não ser tomado por um certo asco.

Ser apaixonado pelo futebol profissional exige abnegação e uma vontade consciente de ser entretido pelos mágicos bem-pagos da bola em jogo. Exige ignorar o Berlusconi, os petrodólares conseguidos com mão-de-obra semi-escrava do sheik Mansur do Manchester City, os euros límpidos de Roman Abramovich e Kia Joorabchian, as dívidas e receitas absurdas dos clubes, as parceirias entre clubes e prefeituras, entre jogadores e jornalistas, entre confederações e emissoras de televisão. Exige esquecer o calcciocaos e as demais denúncias globalizadas de manipulações de resultados em prol de bolsas de apostas, jogos como o recente Chievo e Catania, o título brasileiro do Corinthians-MSI de 2005.

O futebol é um jogo lindo e é arrebatador ver bons jogadores em campo, mesmo que estes jogadores tenham sido eleitos pelo empresariado (o que costuma significar para os meninos das bases 'donos das oportunidades'), pela padronização comportamental e moral, pelas peneiras suspeitas, pelos grupos de jogadores com quem jogaram. O futebol é maravilhoso, enquanto jogo. Significa muito mais do que vinte e dois homens e uma bola - é, na verdade, a síntese das capacidades peculiares intelectuais e físicas dos seres humanos, síntese de tudo aquilo que nos diferencia dos animais.

E é por conta do maravilhamento suscitado por um drible de gênio, como o de um Ronaldinho Gaúcho em seus lampejos, que muitos ignoram que o seu salário, hoje, depende de um homem como Berlusconi; é por conta da visão de jogo de Kaká que, quando o vemos em campo, o aplaudimos, mesmo quando desprezamos a mensagem conservadora do protestantismo hipócrita das classes médias-altas do Brasil que ele faz questão de carregar; é por conta disso que tantos flamenguistas acusam a imprensa de conspiração quando tudo o que ela está fazendo é vigiar os passos de Adriano e sua rapaziada. É por conta disso que santistas como eu não só receberam o Robinho de braços abertos, mesmo depois do que ele fez para sair do Santos, como ainda passamos estes cinco anos em que ele esteve fora torcendo por ele.

O mundo é recheado de cracks que se espalham a todo o tempo por todos os cantos, ao passo que as estruturas que quebram são postas de pé novamente - com algumas diferenças fundamentais aqui, outras ali.
Tantos outros poderiam estar no gramado dos jogos profissionais, mas acabaram indo parar em outros cantos, às vezes por falta de oportunidade no momento certo, às vezes por falta de momentos certos para oportunidades. E mesmo entre muitos dos que jogam profissionalmente, é sabido que apenas poucos deles puderam ter acesso, quando em sua fase de crescimento, a equipamentos e acompanhamentos adequados... O futebol globalizado, galaticizado, é um mundo de ilusões, é feito para que olhemos apenas para as quatro linhas - e para os acompanhamentos realizados por profissionais qualificados.

Mas às vezes, quando nos apontam o céu, tudo o que conseguimos fazer é nos determos antes a observar o dedo que aponta. Nesses momentos, não tem como amar o espetáculo, ainda que haja como amar o futebol. Vamos torcer para que, quando o modelo atual do futebol globalizado ruir e um novo modelo for colocado de pé a partir dos seus escombros, algo mais justo e menos sujo surja no lugar.

Em tempo: por onde anda Luan Andrade Santana, ganhador do Joga 10? No Feirense? No Santos?

"Mas o que eu quero te dizer é que a coisa aqui está preta..."

Fonte: www.fantasmadomaracana.blogspot.com

Vá lá. Ronaldo mostra o dedo do meio para a torcida, Washington o defende e diz que o entende; Kléber Pereira afunda no Inter; Keirrison têm apresentado futebol pífio e perdeu posição para o jovem Babacar; Ibrahimovic anda em má fase técnica (!) no Barcelona (!!); Pato se contunde novamente; Robinho está sem de condição de jogo; Diego desaparece na Juventus; Kaká anda jogando com muito esforço e sem muito resultado; Shunsuke Nakamura volta para o Japão após ver seu sonho de jogar na Espanha se tornar um pesadelo; Dodô é pivô de crise no Vasco; Adriano e Vagner Love... deixa prá outro dia; Beckham está fora da Copa e Bridge se põe fora da Copa; Gerrard em má fase e Lampard irregular; Alex e Deivid são ignorados na Turquia, enquanto Alex (ex-Inter do RS) vai bem na Rússia e ignorado no resto do mundo; Eto'o tem apresentado um futebol bem mais ou menos; Totti colecionando lesões; Van Persie é banco no Real; Souza tem tido chances no Corinthians, enquanto Dentinho tem ficado no banco; Valdívia está no mundo árabe acompanhado de Rafael Sóbis e Ricardo Oliveira; Palmeiras em chamas; Van Gaal - maldito - ainda é técnico e Guus Hiddink não classificou Arshavin para a Copa.

Ah, e William tem sofrido para conseguir se firmar no Grêmio.
Fez dois gols no Gauchinho.
Mesmo número do Ronaldo no Paulista - em menos jogos.

Acho que de feliz, só tenho a falar do Santos, do Barcelona e dos times que ainda não deram o azar de encontrá-los.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Antigos vs. Modernos



Fonte: http://ocri-critico.blogspot.com/2008_10_01_archive.html

Em qualquer fórum de discussão sobre futebol, qualquer um, de tempos em tempos emerge o debate acerca da qualidade dos jogadores através dos tempos. Ignorando-se os limites da temporalidade e observando-se tão somente as quatro-linhas, pergunta-se: quem é melhor, o Pelé ou o Maradona? O Cristiano Ronaldo ou o Garrincha? O Batistuta ou o Gerd Müller? Zico ou Zidane?

E as respostas invariavelmente orbitam em torno de dois eixos: os jogadores de outrora seriam muito melhores, o futebol comportava menor número de brucutus ou então que os craques de agora não limpariam as chuteiras de velhos bons jogadores; para outros, os atletas de hoje em dia sobrariam naquele futebol mais aberto, menos atlético de antes e perguntam 'se Messi faz o que faz com a marcação apertada e quase sem abertura prá jogar, imagine o que não faria nos tempos em que os zagueiros eram mais frouxos e caneludos?".

É um divertido passatempo pensar em como jogariam alguns gênios da bola em outros times, outras épocas, mas tudo o que temos são os fatos, os dados e as memórias e, atendo-nos a eles, não podemos deixar de lembrar de que, como tudo nas sociedades, os esportes são alvos de mudança dos tempos. Estas mudanças, mais do que para melhor ou para pior, devem ser encaradas em termos de diferenças. Por mais entretenedor que seja, esta querela entre saudosistas e presentistas não faz sentido se levarmos em consideração que, com as mudanças e adaptações no estilo de jogo, no material esportivo, na alimentação e preparo dos atletas, alguns jogadores se sobressaem e muitos não. É possível que alguns gênios, se jogassem em outros tempos da mesma forma que jogaram/jogam em seu próprio tempo de atividade, seriam jogadores comuns porque não estariam adaptados à prática do futebol deste tempo ao qual seriam estranhos.

Mais do que isso, deve-se levar em consideração que é injusto comparar o futebol praticado com bola de câmara de fígado de boi com o futebol de bola sintética produzida com auxílio de tecnologia aeroespacial. Truques diferentes, possibilidades diferentes, hábitos e práticas diferentes acabam resultando em culturas futebolísticas diferentes.

Os bons de hoje poderiam ter sido bons ontem, mas não necessariamente o seriam - e vice-versa. O que devemos fazer é aplaudir o brilho daqueles a quem admiramos e respeitar a admiração daqueles que vieram antes pelos seus próprios heróis, afinal, seria impossível saber até onde chegariam as mesmas pessoas caso não estivessem expostas às condições históricas que as colocaram onde estão ou estiveram.

Benvindos!

Fonte: http://www.crisanto.jor.br/oktiva.net/2053/nota/104533


Olá a todos!
Meu nome é Daniel Aidar da Rosa e criei este blog com o intuito de falar sobre, adivinhem, futebol. Sou torcedor do Santos Futebol Clube, gosto de firulas, dribles e jogadas de efeito tanto quanto gosto de gols, prefiro um time que jogue bem a um time que ganhe títulos e tenho prá mim que o futebol precisa de mais Valdívias, Ronaldinhos, Cristianos Ronaldos, Bergkamps e Zidanes do que de Puyols, Matterazzis, Domingos e Paulo Almeidas.

A minha primeira pretensão aqui é analisar o futebol a partir de um ponto de vista menos jornalístico e mais intelectualista. Os veículos de informação acerca do futebol proliferam pela internet e inúmeros colunistas e comentaristas fazem o papel de observadores das notícias, comentando e opinando a partir de suas informações privilegiadas e/ou de suas formações técnicas. Eu não sou formado em jornalismo, não tenho informações internas e nem recebo para escrever; o que posso oferecer é alguma humildade, paixão por futebol e minha formação acadêmica.

A minha segunda pretensão é a de oferecer este espaço para colegas que queiram escrever sobre futebol mas que não têm (ou tem, segundo a nova - e infeliz - regra ortográfica) por onde ou que nunca tiveram motivação e apoio para fazê-lo antes. Com isso, pretendo ampliar a quantidade de enfoques possíveis sobre o futebol, objeto em questão, e, portanto, a qualidade e o nível de postagens deste blog.

A minha única exigência é que haja educação e respeito nos comentários tanto para com o blogueiro, quanto para com qualquer outro colega.

Um abraço a todos,
Daniel da Rosa